Ninguém diz o que eu posso fazer

Qualquer pensamento oposto, seria uma ofensa daquelas. Era tarde. O jornal já tinha saído para a prensa. 17 de janeiro de 1951. Madrugada. Os jornalistas acabaram de fechar a sede. Só os ‘homens da noite’ continuam em máquinas gigantescas e barulhentas. E o vigia. Que dorme mais do que trabalha. Desperta algumas vezes com os gatos namorando no telhado. Gatos infelizes – pragueja. 40 anos servindo o Diário da Manhã. Mas sempre à noite. Certo dia, o Diretor do jornal havia esquecido seu relógio dourado, relíquia do seu avô, na gaveta do escritório. Preocupado, porque iria passar o final de semana sem ele, sem saber das horas, resolveu ir buscar. Às duas da manhã. A rua era um deserto. Poderia sair nu, pelado com a mão no bolso. Ninguém veria. O vigia dormia tranquilo. O diretor passa por ele. Apressado. Só o vulto. Com o vento, uma sensação de perigo, acorda o sonolento. Percorre os corredores, o meio das máquinas, sonda os colegas dos maquinários, nada. Todos ocupados em suas atividades. Quando voltava para sua posição confortável de repouso, ou melhor, trabalho, dá de ombros com o Diretor. Jesus! Homem, quer me matar! – o vigia puxando um cassetete. O diretor: Calma, Joaquim! Vim buscar meu relógio. Passei e não te vi. Onde você estava? Aqui mesmo – tremendo – ouvi um barulho e fui verificar e dei de cara com o senhor. Entendi – calmamente respira. Bom, já é tarde, nos vemos na segunda. Até mais, doutor! Ufa! Respirou depois de alguns instantes. E pensou: Ninguém diz o que eu posso fazer, mas hoje vou tomar um cafezinho e esperar o dia clarear. Com o coração palpitando ainda, amanheceu. E o sol brilhou no Diário da Manhã.

Casa beira mar

Sua casa.

Seu verso.

Seu servo avesso!

Serviçal insubordinado!

Motim? Talvez um fim em si mesmo!

Mas quem livrará de serem rasgadas suas insígnias?

O capitão afundando com seu navio! Ou não?!

Mas quem é ele?

Navegante cambaleando e bêbado!

Embriaguez de rum ou de amor.

Quem poderá definir?

Marinheiro, tatuagem de carrancas do Velho Chico.

Voz grave e rouca, fruto das bebidas com alcatrão e do cigarro, muitas vezes fumado.

O mar ainda agita e bate naquela casa.

Aquela lá na beira.

Aquela onde as ondas espirram nas janelas!

Mas é tarde, hora de recolher as velas, puxar as redes e descansar!

Já é tarde

Veio sem ser notado. Entra e senta. Deitado sempre em prosa. Seu último trago e o vapor sobe constante, dissipando o frio. Despede de todos, já é tarde. O cachorro já está solto, e estou cansado. Mas fique, não há problema algum – diz. Novo o amanhã virá. Cadê você? O telefone não atende, e as razões pra chorar aumentam. Procure em qualquer estação, de trem ou do ano. Essa vida segue adiante. Levante sagrado sem porquê. Esse quê de noite furta-cor, olhares que você enleia. Seu veículo enguiçado, rateando o motor, e o motorista bêbado e equilibrista. A chave nunca encontra a ranhura da ignição espontânea. Já não sei mais. Já é tarde, vai descansar. Assim parava o diálogo, e emendava na manhã seguinte. Você sabe que te amo? Sim! Até amanhã, e fique com Deus!